Adriana Calcanhoto ‘SÓ’ e Bem Acompanhada Instaura Estados D’alma! – ES CRITA

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Adriana Calcanhoto ‘Só’ e Bem Acompanhada Instaura Estados D’alma! – ES CRITA

Numa certa manhã do confinamento me deparo, para o meu espanto, com o clipão de Adriana Calcanhoto boiando como notícia no mar virtual e foi assim, por acaso e sem perguntar, que ’tive notícias suas num mundo de notícias’ sobre ‘Só’ o novo álbum-imagem ou imágico da cantora. Surpreso pelo formato, encarei o clipão que dura 29m30 seg e adorei. O álbum foi produzido em poucos dias na quarentena, a cantora teve um surto criativo durante o confinamento, ela diz que quando se viu confinada estabeleceu uma meta: escrever uma música por dia.  E assim no isolamento nasceu “Só – canções da quarentena”, que é dedicado a Moraes Moreira. As imagens do clipão foram gravadas no dia 25/05/2020 em dois planos-sequência dentro do quarto e o álbum foi composto, produzido, mixado e masterizado entre 27/03/20 e 13/05/20.

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A artista encontrou saídas dentro dos limites impostos pelo distanciamento. Saber como e em qual circunstância foi gerado ‘Só’ valoriza ainda mais este projeto que surgiu de improviso e abriu novas veredas com a junção bem sucedida de imagens, temas e sons, inclusive por ceder os direitos autorais de “Só” para nove iniciativas diferentes como o Redes da Maré, Ação Cidadania e Rocinha Resiste.. O velho conceito de álbum foi reinventado com o clipão, a unidade do disco se apresenta nos sons de grilos onipresentes, nos planos sequências do clipão que captam estados d’alma, nos temas orbitando a quarentena e já é uma das melhores coisas deste 2020 pandemia.

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As canções tateiam com palavras e sons o estado atual da existência onde no horizonte visto pelas janelas há muitas incertezas e panelas fazendo também um som. Frases como “até o gado está baratinado”; “senta e estuda”; “o que temos são janelas”; “eu amava por nós sozinha”; ‘era só eu estar com você servia” “tive notícias suas num mundo de notícias” brotam aqui e ali e nos localiza. Entre as memórias aglomeradas de uma passado recente e um futuro incerto temeroso dos colapsos previstos pelas vidências e ciências, está o presente com as suas ausências e as barreiras de assepsia que nos isolam.

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São 9 canções inéditas que tem um encadeamento perfeito no plano sequência do clipão que sem cortes reflete este ‘em que ano estamos‘ sem interrupção do álcool gel, máscara e isolar-se é uma forma segura de prevenção. Em ‘Só’ os textos são breves, às vezes soam enigmáticos outras vezes ambíguos, sem dúvida que a configuração social inédita desafia aqueles que buscam as palavras para tentar expressar o estado psíquico, físico, espiritual e social atual e Adriana Calcanhoto conseguiu com brevidade, que está mais próximo do silêncio das ruas vazias, expressar com inteligência sentimentos de boa parte da população que está realmente confinada sem sair de casa. O que me espanta é que tenha produzido tudo isso em tão pouco tempo.

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No poema ‘América’ Carlos Drummond diz “Portanto, é possível distribuir minha solidão, torná-la forma de conhecimento. Portanto, solidão é palavra de amor. Não é mais um crime, um vício, o desencanto das coisas”. Para muitos artistas a solidão não é uma entidade estranha que dá medo, ao contrário é uma companheira, agora com pandemia a solidão tornou-se presente para muita gente, como para pacientes infectados que não podem receber visitas. E as canções que  surgiram inesperadamente estão completamente conectadas com a excepcionalidade da situação, capta o espírito do tempo repleto de ausências, distâncias, lembranças cujo canto traz o que é e o que já não é.

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Em um álbum perfeito, destaco ‘Ninguém na Rua’com a deliciosa onomatopéia funkeada inspirada pelo batidão dos peitos distanciados na quarentena fluindo e pairando zen minimalista nas cidades vazias; ‘Eu Vi Você Sambar’ é irresistível com cordas lindas no final;  ‘O Que Temos’ os sons do piano e das panelas o que está dentro e fora se encontram nas ondas sonoras que voam pelas janelas; ‘Tive Notícias’ a canção mais delicada, muito bonita com sopros pontuando delicadamente como se assoprassem as notícias trazidas pela velocidade das tecnologias; ‘Lembrando da Estrada’ outra beleza de arranjo, com a pandemia só restaria aos artistas lives e as lembranças de um tempo de deslocamentos e aglomerações bem-vindas? Mas como o show não pode parar e não parou ‘Só’ o reinventa levantando a lona no seu quarto; ‘Bunda Le Lê’ é o melhor funk composto pela artista, a compositora tem experimentado essa sonoridade, com poucas palavras cria uma canção ambígua com a cara dos tempos de quarentena e consciência política onde até Anitta quer aprender; ‘Corre a Munda’ encerra lindamente evocando sonoridade portuguesa, ‘onde vagueia sem eira nem beira‘ a compositora que não quer morrer sem antes voltar a Coimbra e mesmo sem ter encontrado a palavra pra decifrá-la em vez de lamentos distanciados lhe oferece o seu canto que chega suavemente até nós!

Vagner Luís Alberto

Foto: Leo Aversa

CLIPÃO (click aqui pra assistir)

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