POeMAR (publicado em 2005 e reescrito nos dias de hoje)
poesia, lugar onde vou e volto, já que é eterno o retorno, me lanço, mergulho nesse oceano,
palavras no fundo, palavras no raso, palavras boiando,
vazias quando não compreendidas, cheias de si no seu definir,
cada uma é uma coisa, isoladas vão designando,
desenha a frente, o verso, os contornos
juntas descrevem tudo,
abusa do excesso como uma construção barroca e com pouco consegue dizer o muito
e mesmo quando deturpadas, se extraviam para os seus sentidos genuínos ou se reinventam com gírias nos subterrâneos,
quando não sobra sons explodindo grunhidos ou pichações incompressíveis tatuadas nos muros,
com a poesia repenso a mecânica da vida
onde a beleza não é mero artificio
está em tudo, no que está escondido, no que foi soterrado,
no que é desprezado, descartado, ignorado,
em templos, em prostíbulos, armazéns, em presídios,
as capturo com bruta linguagem ou firme delicadeza,
me esbofeteia quando não há franqueza
mostra a sua autonomia, simplicidade e excelência
exibe exuberância mesmo quando está árida a existência
poesia jogo de esconde esconde,
são como ondas que aparecem e desaparecem instantâneas
brincam de se refazer ondas há milhares de anos
espumas parecem água fervente com excesso de branco: castro alves flutuantes
poesia e sal existem mesmo invisível aos olhos humanos
como a profundeza coberto pela água salgada onde nadam peixes estranhos continua lá embaixo existindo mesmo que na sua superfície nos distraem os saltos dos golfinhos,
mas não me satisfaz escrever apenas ondas,
escrevo espumas de água salgada,
formas brancas ondulantes, cachos de cabeleira espumante,
liquido que se acaba borbulhante na areia,
onde surfistas quedam depois de tantos deslizes, depois de cada tombo, novos recomeços, síntese de perda e ganho
poema, sobrevivente das derrotas diárias, ensaios de xeque-mortes,
fenix espalhando cinzas quando se ergue entre os escombros,
poesia e palavras, mar e ondas, uma nasce da outra
mesmo oculta, está
se estou distraído, vem, instaura,
vai aonde vou, onde quer que estou,
não sai de férias,
nela salto
ou
levanto voo,
se do nada coloco um azul cristalino, um cinza nublado,
sol escaldante, chuva com vento cortante, até um tsunami,
água que se abre esparramada na praia, vaivém, vem e vai,
é pra cuspir uma rima rica, afinal são atraídas uma pelas outras,
mas sei que sou mero veículo praquilo que ser dito, exibidas querem ficar aqui nesse escrito,
e são tantas palavras oferecidas, quero ter com elas intimidade, vínculo irrestrito,
saem de mim, assim como o mar devolve o que nele habita ou que não:
organismos vivos ou objetos estranhos,
plástico, latas, algas, conchas, caranguejos, papéis, cigarros
devolvo na página
deixo como um rastro ou tesouro,
esse líquido sequência
brisa doce
deixo com um céu e mar se espelhando, entreolhando-se
como Dostoiévski escapando no minuto final diante do pelotão na mira dos canos
deixo
um poema
breve instante
em que eu e você leitor, brevemente, ficamos nos miramos.
Vagern Luís Alberto
Maio/2015